A presidente da Assembleia Nacional angolana, Carolina Cerqueira, apelou hoje aos deputados para não se associarem a acções ou manifestações que “violem leis” ou que adoptem “comportamentos violadores da paz social”. Faltou explicar se o apelo é em exclusivo para os parlamentares da Oposição ou inclui também os da maioria, do MPLA. Não inclui, obviamente.
Carolina Cerqueira dirigiu-se hoje aos deputados no início da 7ª reunião plenária ordinária da Assembleia Nacional, que tem lugar depois de uma manifestação nacional, realizada no sábado passado, reprimida violentamente em Luanda e Benguela pela Polícia do MPLA (e não Nacional), num confronto com manifestantes.
Segundo a presidente do parlamento angolano, o apelo, sem pretender que os deputados prescindam “da sua liberdade de expressão, direitos que a democracia lhes confere” (se Angola fosse de facto e não só de jure, uma democracia), é também no sentido de que não “profiram declarações que incitem à desobediência civil e à desordem pública, vandalização do património público e privado, comportamentos que perturbam a coesão e estabilidade social”.
“Assim deixo um pedido, sublinho, deixo um pedido, a todas senhoras deputadas e senhores deputados, para que não se associem voluntária ou involuntariamente, através da presença, e/ou não incitem qualquer evento ou acção que possa ter o potencial de se transformar numa materialização de violação do Estado de direito”, exortou Carolina Cerqueira, esquecendo-se que qualquer semelhança de Angola com um Estado de Direito é mera e ténue coincidência.
A presidente da Assembleia Nacional recordou “o carácter central do papel deste órgão de soberania do Estado de Direito”, salientando que o parlamento angolano no sistema constitucional consiste num órgão de soberania central da democracia e concomitantemente do estado de direito. Carolina Cerqueira teima em dizer (embora acreditemos que não isso que pensa) que somos todos matumbos.
“Assim, apelo a todos, senhores deputados e senhora deputadas, sem nunca prescindirem da sua opinião e da liberdade de expressão da mesma, direitos que a democracia lhes confere, para que não se associem a acções ou manifestações que sejam acções que violem leis ou adoptem comportamentos da paz social e profiram declarações que incitem à desobediência civil e à desordem pública, vandalização do património público e privado, comportamentos que perturbam a coesão e estabilidade social”, disse Carolina Cerqueira, puxando (como diz as ordens superiores que recebeu) a brasa à sua… lagosta.
O grupo parlamentar do MPLA, partido fraudulentamente maioritário e no Poder há 48 anos, remeteu à Assembleia Nacional um requerimento, para agendar no período antes da ordem do dia, para discussão, sobre “Direitos e Liberdade dos Cidadãos versus Actos de Desordem Pública”, cuja aprovação a favor reuniu unanimidade.
Também a UNITA submeteu ao parlamento uma proposta para a discussão e votação de um voto de protesto “contra a violência policial, o assassínio de seis cidadãos na cidade do Huambo, no dia 5 de Junho e contra o sequestro do deputado Domingos Balanga, do grupo parlamentar da UNITA e de quatro activistas cívicos na cidade do Huambo”, mas foi rejeitado.
Rejeitado porque, dirá com certeza Carolina Cerqueira, viola a tal democracia que Angola não é, bem como o tal Estado de Direito que Angola não é.
A manifestação de sábado contra a subida do preço dos combustíveis, concretamente da gasolina, contou com a adesão da JURA, braço juvenil da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite, e a presença de alguns dos seus deputados.
Num comunicado divulgado após as manifestações, a Polícia do MPLA responsabilizou a UNITA pelos distúrbios registados em Luanda e Benguela, tendo o partido considerado as acusações “politicamente motivadas”, ponderando mover um processo-crime contra o porta-voz do órgão, pelos crimes de calúnia e difamação. Isto se Angola fosse (petita-se) o que não é – uma Democracia e um Estado de Direito.
Foram presas cerca de 100 pessoas durante e antes dos protestos a nível nacional, contra a subida do preço dos combustíveis, o fim da venda ambulante e a alteração do estatuto das Organizações Não-Governamentais (ONG).
Os deputados da UNITA Adriano Sapinala (secretário provincial de Luanda) e Nelito Ekuikui (líder da JURA) têm denunciado nas suas redes sociais o que, com razão, consideram ser manipulação nos órgãos de comunicação social públicos (leia-se do MPLA), queixando-se de não terem direito a exercer o contraditório. Refira-se que essa “coisa” do contraditório também é um raro privilégio só usado nas tais democracias sérias.
A JURA disse, na semana passada, ter tido conhecimento “do plano macabro que o regime queria levar a cabo”, infiltrando pessoas ligadas ao regime e forças de segurança na manifestação de Luanda “com o fim único de criarem distúrbios, ferir pessoas, danificar meios públicos e culpabilizar a UNITA por eventuais estragos, como é de hábito”.
Folha 8 com Lusa